Violência e comportamento – entrevistas

VIOLÊNCIA E COMPORTAMENTO

Temos visto ultimamente episódios de irrefreada violência, principalmente contra as mulheres, mas violência em geral.
Os autores desses atos violentos não têm se deixado intimidar por testemunhas, câmeras, preceitos morais, éticos ou familiares; nada os faz refletir e desistir daquela ação.
A que você atribuiria tal comportamento?

Dr. Mauro Bastos – Advogado

É fato que os índices de violência seguem em preocupante elevação. Os crimes contra as mulheres e abusos praticados contra crianças e idosos cresceram de forma alarmante. A violência e o crime são doenças endêmicas que ao longo dos anos corroem o tecido social.

É um fenômeno multicausal e a sua elevação no âmbito doméstico encontra resposta na pandemia do COVID-19, que forçou a coabitação em tempo superior ao costumeiro, bem como na velha e conhecida cultura machista, na educação precária, no abuso de álcool e de drogas, nos comportamentos omissivos (o medo de reação, de denunciar o agressor), as sérias dificuldades financeiras, o enfraquecimento da família e a ausência de valores morais, éticos e religiosos. Enfim, são muitos os fatores que influenciam o poder de decisão do indivíduo que tende para a delinquência.

Por sua vez, os agentes da violência não são contidos em suas ações por iguais múltiplas razões. Não ousarei discorrer com profundidade sobre o instituto da criminologia. A imensidão do tema me impede em tão curto espaço. Contudo, testemunhas, câmeras e outros preceitos, fundamentalmente, esbarram na questão da impunidade, que não está apenas no Código Penal; mas, sim, no Código de Processo Penal, nas leis ordinárias processuais penais.

Na minha ótica, este é o ponto nevrálgico da questão. Temos uma legislação processual que em nome da liberdade, do princípio da inocência (onde o bandido se nivela ao cidadão) e dos direitos e garantias fundamentais privilegia o delinquente em detrimento da cidadania ofendida, agredida e vilipendiada. “O Brasil vive um momento peculiar. A crise decorrente do escândalo criminal assusta. Traz insegurança e ansiedade. Mas ela também oferece a oportunidade de mudança e de superação.

Se a crise nos ensina algo, é que ou mudamos de verdade nosso sistema de Justiça Criminal, para romper com sua crônica ineficiência, ou afundaremos cada vez mais em esquemas criminosos que prejudicam a economia, corrompem a democracia e nos envergonham como País” (Antônio Cesar Bochenek – Juiz Federal).

Dra. Ligia Alexandre – Psiquiatria & Saúde Mental

É de suma importância sabermos diferenciar um comportamento normal de raiva de um transtorno psicológico. Na psiquiatria, podemos destacar o Transtorno Explosivo Intermitente (TEI), que é a agressividade com fúria descontrolada, geralmente sem motivos, onde o indivíduo perde o controle de seus impulsos violentos, gerando agressões físicas e/ou verbais.

As fúrias são tão intensas que eles perdem o controle sobre si mesmos, permitindo que esses sentimentos o ceguem para a realidade. Para esse diagnóstico ser concluído é importante avaliação médica e psicológica, o tratamento se baseia em medicamentos para controle dos impulsos e psicoterapia.

É natural do indivíduo usar o mecanismo de defesa diante de ações e ameaças, e tem como objetivo manter a integridade do ego perante os estímulos externos. Por isso é tão comum observarmos o mecanismo de negação diante de algo que seja ameaçador, é um processo que pode ser subconsciente, que permite à mente a encontrar uma solução para o conflito em questão.

Dr. João Paulo Granja – Advogado

Temos presenciado a crescente degradação moral da sociedade, externada através das músicas, baseadas cada vez mais pela violência, pela linguagem chula e pela objetificação feminina e parecem ganhar cores mais vívidas em idêntica proporção com que os atos de intolerância e de violência, principalmente praticados contra mulheres, tornam-se mais comuns e mais graves.

Quando nossos maiores líderes, dos quais se exige o máximo de serenidade e atuar escorreito, externam diante das câmeras demonstrações de desrespeito pelo próximo, determinando que repórteres do sexo oposto “calem a boca”, pelo simples fato de não assentirem com determinado ponto de vista, ou, ainda, quando desses se ouve que determinada Deputada “não mereceria ser estuprada, por ser feia”, percebe-se que o problema encontra-se enraizado e ainda longe de ser superado.

Ao assistirmos com perplexidade um DJ agredir a esposa, com a filha no colo, ignorando a presença da sogra, de um amigo e de câmeras, fato que ganhou notoriedade pela projeção social que a pseudo-celebridade possui, percebemos que casos muito mais graves e sérios são ignorados pelos Poderes constituídos, merecendo igual tratamento.

A solução da problemática passa necessariamente pela melhoria da educação da população o que, no contexto atual, não constitui prioridade dos gestores e segue constituindo em uma luta silenciosa das vítimas contra seus covardes agressores.

Giulia Florêncio – Psicóloga

De forma sucinta, o que me vem à cabeça a partir de leituras e presente constantemente na clínica, é que ainda há, mesmo com o crescimento do feminismo, o predomínio de um sistema social em que homens detém de um poder primário, sendo aqueles que têm voz e privilégios, a partir de um pensamento enraizado e atrasado, que a sociedade caminha em passos curtos para que essa realidade seja mudada.

Quando falo de privilégios não me refiro apenas a uma organização legal, política e econômica, mas também social, que é ensinada através de “valores”, e consequentemente acabamos ouvindo discursos machistas por vezes implícitos, quando perguntam porque o homem agrediu a mulher, buscando um motivo para que esse fato tenha acontecido, quando as pessoas julgam e mantém uma ideia de matrimônio eterno, o cruel “feliz para sempre”.

Então, afirmo que o machismo é sem dúvidas responsável pela violência.
Vale ressaltar que os homens também são vítimas e é o que chamamos de masculinidade tóxica. Existem regras do que é ser homem como por exemplo: “homem não chora”, homem não leva desaforo pra casa”. Não lhes é permitido ser frágeis. E esse padrão impossível de ser seguido a todo tempo, resulta em frustração e estimula comportamentos nocivos, como violência, hostilidade, provocações e descuidos com a própria saúde.

Parafraseando a psicanalista Maria Rita Kehl: “De um lado, as meninas estão decididas a não aceitar mais nenhum abuso, nenhum. Por outro lado, acho que ainda falta uma volta nesse parafuso; penso que precisam entender que o inimigo é o machismo, mas não necessariamente os meninos.”

A violência é vendida todo o dia e gera lucro. Parece que há um desejo de banalização da mesma e nós psicólogos lutamos para reduzir esse danos, desconstruindo esses padrões e implicando cada sujeito nos seus sintomas.

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Sobre Vânia Carvalho

 ​ Campista, Comunicadora e mãe de Bianca e Bruno. Como comunicadora social com habilitação em Relações Públicas, atuando como colunista do Jornal Folha da Manhã

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