
Dr. Nélio Artiles – Médico Infectologista
MÉDICO ESPECIALISTA EM DOENÇAS INFECCIOSAS, ESPECIALISTA PELA SOCIEDADE BRASILEIRA DE INFECTOLOGIA, MESTRE EM MEDICINA PELA UFRJ E PROFESSOR DA FMC E DA UNIREDENTOR
Qual a sua especialidade e o que ela trata?
A infectologia é uma especialidade que trata de doenças infecciosas e parasitárias, então é uma especialidade de extrema importância, visto que lida com doenças muito comuns no mundo inteiro e que tem a ver com infecções por vírus, por bactérias, por fungos, por protozoários, e que é com certeza a linha de frente contra essas pandemias que acometem a humanidade, por isso que a infectologia tem uma importância muito grande.
Sobre o que estamos passando, qual a sua o observação?
A gente só fica preocupado e triste porque as sociedades brasileiras e internacionais precisam ser ouvidas e precisam ser respeitadas.
Estamos passando por um momento de extrema dificuldade, um desafio, nós tivemos várias pandemias que acometeram a humanidade com muitas mortes. Sem dúvida nenhuma este é um momento histórico.
Há, entretanto, o negacionismo, que tem trazido talvez as maiores dificuldades em todo o mundo em relação às condutas corretas, no momento certo.
É uma doença que promoveu mudanças tanto na parte econômica quanto social e política, além de alterar o emocional das pessoas. Trouxe um transtorno mundial.
Todas as pandemias (a pandemia é uma epidemia mundial) costumam vir em ondas. Sabe-se que só começa a haver uma diminuição, uma redução das taxas de acometimento, quando um quantitativo grande de pessoas é acometido.
Alguns estudos mostram que é necessário que em torno de vinte a quarenta por cento da população esteja acometida para começar a haver uma queda das taxas.
Foi muito interessante a gente perceber que no início da pandemia, as pessoas que puderam permanecer em casa, se guardando, porque tinham alguma estrutura econômica, financeira que o permitia, essas pessoas conseguiram se confinar.
Pessoas que não puderam parar, que continuaram trabalhando, que foram às ruas, foram os primeiros acometidos.
O que está sendo “desenhado” é que teremos uma segunda fase da COVID?
A gente percebe agora (sem afirmar se é segunda onda ou não) um recrudescimento da doença, quando começa a haver flexibilização ou a liberação das pessoas e isso faz com que as pessoas que estavam mais presas no início da epidemia comecem a se soltar, e você percebe que agora as taxas começam a ser maiores em pessoas que têm plano de saúde, por isso que os hospitais privados começaram a ter seus leitos ocupados e a rede pública também, mas em menor quantidade, então isso chama a atenção, e é claro que se isto que está acontecendo agora será a segunda onda ou não o tempo vai dizer.
Nas próximas semanas, se as taxas chegarem próximas à primeira curva, lá atrás, então foi uma segunda onda, se teve apenas um pequeno acréscimo, então é possível que a gente tenha uma nova onda lá na frente.
Na Europa já se está descrevendo a terceira onda, por exemplo, então é possível que isso aconteça, dependendo do número de pessoas contaminadas.
O que fazer, mesmo sendo óbvio, para contermos o problema?
Bem, neste momento eu acredito que existam várias atitudes a se tomar tanto os gestores públicos, os gestores de saúde, quanto as pessoas, a população.
Os gestores públicos precisam observar com muito cuidado a ciência e valorizar a ciência. Ela fez com que chegássemos hoje ao nível de avanço que temos, tanto de comunicação, tecnológico, mas também biológico, como as vacinas, como os antibióticos, como as medicações de pressão, contra coagulações, nós temos um arsenal muito grande de avanços por causa da ciência, e as pessoas tem que valorizar os cientistas, eu acho que este é um momento de valorização da ciência muito importante.
Existe, é claro, um investimento mundial para se chegar a uma solução e foi um record da forma como isto aconteceu. Em geral há uma demora de 4 anos, 5 ou mais para se chegar a uma vacina, mas já se está falando que a vacina está em sua fase final, são várias vacinas em estudo, e certamente nós teremos vacina para aplicar na população agora no início de 2021.
Então há que se realmente parabenizar e ficar empolgado com a ciência. È preciso ouvir as sociedades de especialidade. Algumas pessoas estão destemidas e pagando para ver.
O problema é que isso atinge não só a si mas aos demais. O que fazer?
O momento é de responsabilidade cidadã. Vejamos os jovens. Como o índice de mortalidade pela Covid entre os jovens é muito pequeno, eles acham que nada vai acontecer, porém tem que lembrar que é possível pegar o vírus e transmitir para as pessoas que estão em casa, os mais frágeis, os idosos e as pessoas com alguma doença, que podem evoluir para inflamações mais graves, e podem morrer.
Tem muita gente que está doente e não sai de casa, não vai ao médico, não faz testagem, o que resulta em pouco diagnóstico e pouca notificação, então se você considerar isso no país inteiro, então, você pode ter certeza que ao invés de cinco milhões de pessoas a gente tem dez vezes isso, o que nos fornece uma taxa de letalidade até mais baixa.
Pode ser que tenhamos pessoas parcialmente imunizadas, mas a gente sabe que a reinfecção é uma realidade. Porém não é comum, o mais comum é ter um grau de imunidade durante um tempo e depois vão caindo os anticorpos.
Então essa questão da gente ter pessoas indo para rua, indo para a praia, saindo sem máscara, usando máscara de forma errada, fazendo aglomerações, isso tem que ser chamado a atenção.
O que fez piorar toda essa situação?
As pessoas estão usando máscara no queixo, no pescoço, máscara só cobrindo a boca, mas é preciso usar certo e usar sempre, mesmo em ambiente aberto.
Não tocar o outro, toda vez que tocar uma superfície há um potencial de infecção nesta superfície, e aí vem a importância da lavagem das mãos com água e sabão, do uso do álcool gel para que você possa, principalmente ao tocar uma superfície, limpar essas mãos.
Ao manipular a máscara, que seja por onde ela se fixa na orelha, nunca segurar a máscara pela frente, e sempre que tocar a máscara lavar as mãos. Não fazer o que é recomendado é uma forma de piorar as coisas.Neste final de semana teremos as eleições de segundo turno. Qual o seu recado para as pessoas que vão sair para votar? Vimos nesta caminhada das eleições aglomerações de pessoas, como se não existisse a pandemia. No momento da votação, devemos procurar observar os momentos destinados às pessoas em decorrência da idade, e, mesmo no seu horário, se estiver muito lotado, não entre, aguarde mais um pouco. Se estiver gripada, mesmo que uma gripe leve, ou uma garganta inflamada, nariz entupido, febre, não vá votar, não vá; depois justifica. É uma questão de responsabilidade. Leve sua caneta, e evite compartilhamento de material.
Qual mensagem de otimismo você gostaria de deixar para os nossos leitores?
Tem que ter otimismo, ter fé, que este um momento de mudanças, isso me lembra um pouco do poeta Rubens Alves, que tive o grande prazer e honra de conhecer pessoalmente, ele dizia que todos somos milho de pipoca, uma estrutura sem graça, mas quando sob pressão, com o calor, esse milho se transforma em uma pipoca, bonita, deliciosa, que faz a diferença, então, eu imagino que a gente está passando por esta panela de pressão para nos transformarmos.
Tem o milho que não se transforma, mas temos que ver isso para nos transformar em pessoas melhores. Me lembro também de uma música do Beto Guedes, O Sal da Terra, que coloca exatamente isso, nós temos que amar o próximo, que olhar o mundo que vem depois.
Ele diz: vamos precisar de todo mundo, um mais um é sempre mais que dois, prá melhor juntar as nossas forças, é só repartir melhor o pão; recriar o paraíso agora, para merecer quem vem depois.
Então precisamos recriar, proteger; quando eu uso melhor a máscara, e evito aglomerações, não é só para me proteger, é para proteger o outro. É preciso olhar o outro de uma forma humana, dando valor à vida, não só à sua, mas à do seu irmão também.
Fotos: Wellington Cordeiro












